A Alfândega (da Fé) é um nome de origem árabe que a localidade deve ter adquirido entre os séculos VIII-IX.
É muito possível que já anteriormente ela existisse e a sua verdadeira origem tenha sido um povoamento castrejo, o que não será de admirar, até porque na área do concelho existem vestígios de povoamento romano e até anteriores.
A designação “da Fé” que se juntou ao nome original surge em data incerta, (mas já aparece no Foral de D. Dinis) seguramente por via popular e ligada à interessante lenda dos “Cavaleiros das Esporas Douradas”, que reflecte a bravura dos cristãos na luta contra o infiel, apoiados, na batalha decisiva de Chacim, por Nossa Senhora de Balsemão.
De qualquer forma, existe hoje a convicção de que durante o período da ocupação árabe foi sede administrativa com alguma importância de uma região designada “Valiato de Alfandica”, mas a sua história, em termos da nossa Nacionalidade, só é verdadeiramente reforçada em 1294, (8 de Maio) ano em que D. Dinis lhe concede carta de foral que, entre outros aspectos, define os primeiros limites geográficos do concelho. Um ano depois (17 de Setembro) o mesmo monarca concede-lhe carta de feira, do mesmo tipo da Covilhã, mas com a particularidade de obrigar que a referida feira se realizasse depois da de Mogadouro e antes da de Mirandela; a carta de feira foi novamente passada por D. João I, a 13 de Janeiro de 1401.
Foi ainda D. Dinis que em 1320 mandou reconstruir o seu castelo. A forma como Rui de Pina, na Crónica de Dinis, descreve esta reconstrução tem levantado algumas dúvidas de interpretação, uma vez que permite levantar a hipótese de a localidade árabe não se ter situado no local onde se encontra a actual Alfândega da Fé: “Ano de 1320. Povoou de novo e fez os castelos de Vinhais, Vila Flor, Alfândega, que mudou para o lugar onde agora está que se chamava antigamente cabeço de S. Miguel”.
Em 1385 D. João I obrigou os moradores de Alfândega da Fé a trabalhar na reconstrução dos muros de Torre de Moncorvo, talvez como “castigo” pelo facto de a vila ter tomado partido por Castela. Este seria também o primeiro monarca a passar por Alfândega da Fé, na viagem que no ano de 1396 o levou a Torre de Moncorvo e Bragança.
Outro dado relevante, ainda no século XV, é a criação, em 1498, da Misericórdia de Alfândega da Fé.
Dos séculos XVI a XVIII existem ainda menos dados históricos sobre a localidade e o seu concelho, sabendo-se que em 1510 D. Manuel I lhe concedeu novo foral, que altera os limites geográficos do concelho medieval, aumentando-o em área. No século XVI a vila estava despovoada, não possuindo sequer uma centena de fogos, (entende-se assim a simplicidade na construção da Ermida de S. Sebastião, hoje capela com o mesmo nome) situação que pouco se alterou pelo menos até à primeira metade do século XVIII, uma vez que a sua população, na época, não ia ainda além dos 150 vizinhos.
Luís Álvares de Távora intitulava-se então senhor de Alfândega. É desse tempo a construção da ponte de Zacarias e seguramente o princípio do fim da povoação com o mesmo nome, a acreditar num documento do século XIX que refere a forma como a família dos Távora conseguiu os terrenos daquela zona. Dos Távora restam poucos elementos da sua presença no concelho: a casa que possuíam na vila foi sendo transformada com o passar dos anos e o que resta não revela grande traça arquitectónica, merecendo apenas registo aquilo que se supõe ser o campanário da capela, actualmente na Capela de S. Sebastião e o portal da entrada, também deslocado para uma casa particular; existe ainda um brasão picado (de Bispo) que pode ter pertencido à mesma família.
Pelo que se deduz da leitura de algumas passagens do Tombo dos Bens do Concelho (1766), o castelo da vila terá sido destruído entre os séculos XVII e XVIII, sendo a pedra (xisto), utilizada para construir habitações; restou aquilo que hoje se chama Torre do Relógio e que constitui o ex-líbris da localidade.
A vila e o seu concelho ganharam novo folgo a partir da segunda metade do século XVIII, em boa parte pelo incremento da criação do bicho da seda, que no século seguinte, em 1870, atingiu o seu auge, com uma produção de 17,2 toneladas!
A par da agricultura, que ainda hoje se mantém como a mais importante actividade económica do concelho, foram-se desenvolvendo algumas indústrias artesanais, (quase todas extintas na actualidade), como a moagem de cereais, os pisões do linho, o fabrico da cal e da telha, os lagares de azeite e a cestaria (estas duas últimas actividades ainda existem, a primeira em termos modernos e industriais e a segunda como actividade artesanal).
Este moderado desenvolvimento (inclusive demograficamente, uma vez que entre 1862 e 1920 a população da vila andou sempre pelos mil habitantes e a do concelho até decaiu dos nove para os oito mil) manteve-se durante o século passado e a primeira metade do nosso, quer no respeitante aos aspectos económicos, sobretudo na agricultura, com a proliferação das “Quintas” e o aproveitamento da vinha durante o período em que a Região Demarcada do Douro abrangia uma parte significativa do concelho, quer ainda na construção de algumas infra-estruturas, sendo disso exemplos a construção da estrada distrital que ligava a Macedo de Cavaleiros, a construção da cadeia municipal (1871) e a ampliação dos Paços do Concelho, que são os actuais, a reconstrução das pontes de Zacarias e do Arquinho (1864), a construção da ponte de Alváz (1884), da primeira escola primária (1866), do cemitério (1882), o calcetamento de várias ruas da vila (1884/85) e a reconstrução da Torre do Relógio (1884),
A primeira rede de água domiciliária, na vila, veio mais tarde, nos anos trinta do nosso século, e seria ainda por essa altura que se construiria a Central Eléctrica e as “fossas sépticas”, que serviam igualmente apenas a sede do concelho.
As vias municipais asfaltadas surgiram bem mais tarde, assim como a recuperação da antiga estrada distrital (já transformada em nacional) e a nova ligação a Macedo de Cavaleiros, pela serra de Bornes (anos 60).
Politicamente, o século XIX teve momentos bastante importantes, alguns dos quais bem agitados. As primeiras Posturas Municipais são de 1838/39, em pleno período “Setembrista” e as de 1821 constituem um exaustivo trabalho jurídico digno de registo.
Logo em 1822 foi criada a Sociedade Patriótica, de inspiração liberal, mas as crises políticas do primeiro liberalismo, até à Regeneração, foram localmente lideradas pelo Morgado de Vilarelhos, Bacharel Francisco António Pereira de Lemos, que para além de ter sido Presidente da Câmara em vários mandatos foi deputado às Cortes. Era “Setembrista” convicto e dele ficaram algumas memórias que definem um carácter forte e influente, ao mesmo tempo que conseguia granjear apoios junto da população mais pobre do concelho. Um neto seu, Joaquim Cândido de Mendonça, seria mais tarde o fundador da primeira Comissão Municipal Republicana, em 1908; jovem ainda, a iniciar igualmente o conhecimento das leis lá por Coimbra, acabaria por não ver nascer a República, tendo falecido uns dias antes, ao tentar salvar um empregado que caiu a uma cuba de vinho.
Mas o século XIX escreveu também a página mais negra da história do concelho de Alfândega da Fé.
Depois de mais duas alterações dos limites do concelho, em 1852 e 1855 (esta última corresponde à situação actual), acabaria por ser extinto por decreto de 24 de Outubro de 1895, por razões meramente políticas e administrativas, como veio a provar-se.
A revolta da população foi generalizada e em alguns casos violenta. Vale a pena referir dois nomes que se destacaram na defesa da restauração do concelho: o Dr. Ricardo d’Almeida, natural de Vila Flor, mas a exercer medicina em Alfândega da Fé, que assinou um manifesto que foi um verdadeiro apelo à luta (reflectindo já algumas ideias republicanas que circulavam no concelho) e o Pe. Manuel Pessanha, que em 1897 publicou um livro intitulado “Alfândega da Fé” no qual, demonstrando a importância da história do município, denuncia as razões puramente políticas da sua extinção, reclamando do novo governo então formado, a sua restauração. Assim veio a acontecer, no dia 18 de Janeiro de 1898.
Mas a afronta não foi esquecida e essa é certamente a explicação para o rápido desenvolvimento e até organização dos ideais republicanos no concelho. E se o jovem Joaquim Mendonça não pôde assistir à proclamação da República na sua terra, o que aconteceu a 9 de Outubro de 1910, lá figura, no respectivo Auto, a assinatura do Dr. Ricardo d’Almeida, entre as de muitos outros que estiveram na primeira linha da luta pela restauração do concelho em 1895/98!
O concelho mantém hoje os mesmos limites, que vão da serra de Bornes até ao rio Sabor e do planalto de Castro Vicente até ao vale da Vilariça, num total de 310 quilómetros quadrados distribuídos por uma impressionante e surpreendente diversidade de paisagens e de micro-climas que permitem culturas agrícolas tão diferentes como a oliveira, a amendoeira, as cerejeiras, os cereais, a vinha e vários tipos de floresta, actividades que são servidas pelas barragens da Esteveinha, Salgueiro, Burga e Camba.
Do seu património histórico-cultural destacam-se a Pedra de Revides, o Solar de Vilarelhos, o Castro da Marruça e outros, a igreja de Sambade, a Capela de S. Bernardino, em Gebelim, a Torre do Relógio e algumas casas brasonadas, para além do Santuário Mariano de Cerejais, obra mais recente mas muito visitada.
No campo da ourivesaria religiosa existem várias peças de valor, já estudadas, merecendo especial referência a Cruz de Prata de Valverde, do século XVI.
O concelho dispõe hoje de boas condições de vida ao nível dos acessos, do abastecimento de água e da rede de saneamentos básicos, com praticamente toda a população servida com estes serviços, para além de importantes infra-estruturas melhoradas, ou de construção recente, como o Hospital-Centro de Saúde, o Lar e Infantário da Misericórdia, os Bombeiros Voluntários, a Zona Industrial, a Biblioteca Municipal e o Complexo Desportivo da ARA, o Mercado Municipal, a Estalagem da Serra de Bornes e o Parque de Usos Múltiplos.
A par da feira quinzenal, cuja existência resulta da antiga feira medieval, realiza-se a feira anual da Cereja, (durante a primeira quinzena de Junho) inserida no programa da festa com o mesmo nome e que actualmente constitui o mais importante cartaz turístico do concelho. Nem seria de esperar outra coisa na terra que tem um dos maiores cerejais da europa e produz cereja da melhor qualidade. Mas em matéria de turismo não pode deixar de se referir a festa das Amendoeiras em Flor e a caça, bem como as inúmeras festas de Verão que se realizam em todo o concelho nos meses de Agosto e Setembro, com destaque para a festa do Mártir S. Sebastião, na vila.
Uma passagem por terras de Alfândega da Fé terá todos estes ingredientes históricos, patrimoniais, paisagísticos e humanos; junte-se-lhe a gastronomia, a doçaria e um puro queijo de ovelha com marmelada. É uma receita verdadeiramente irresistível!
In ANAFRE
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